Amo Rubem Alves.
Ele escreveu o texto que segue na revista Bons Fluidos em 2004.
"Os ipês-amarelos
O que você ama define quem você é.
Acho curriculum vitae uma coisa boba. Sei que os burocratas sem eles se sentiriam perdidos. Por amor aos burocratas e curiosos fiz uma concessão: coloquei o meu na minha homepage. Mas lhe dei um nome novo. Curriculum, em latim, quer dizer pista de corrida. Um Curriculum vitae é, assim, uma enumeração dos lugares por onde se passou, na correria da vida. As coisas que eles registram não existem mais. O que é passado está morto. Assim, na. Unha homepage, ao invés de Curriculum vitae eu escrevi Curriculum mortis, porque eu não sou o meu passado. Eu sou o meu agora. De um pianista que vai iniciar o seu concerto não se espera que ele diga os nomes dos professores com quem estudou e os prêmios que ganhou. Dele só se espera uma coisa: que se assente ao piano e toque. Existirá tédio maior que aquelas apresentações de oradores em que o apresentador vai enumerando cursos, livros e honrarias? Ninguém presta atenção, ninguém quer saber. Como eu estou em vias de iniciar uma nova série de concertos literários nas páginas desta revista (Bons Fluidos), vou me apresentar dizendo o que sou hoje.
Ao final de uma entrevista, o entrevistador me fez uma última pergunta: "Como é que o senhor se definiria?". Fui pego de surpresa. A resposta teria de ser curta. Lembrei-me da frase que o poeta Robert Frost escolheu para seu epitáfio: "Ele teve um caso de amor com a vida... ". Encontrei minha definição em mim mesmo. Respondi: "Eu tenho um caso de amor com a vida... "
Uma professora me contou esta coisa deliciosa. Um inspetor visitava uma escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um menininho respondeu: "O Rubem Alves é um homem que gosta de ipês-amarelos..." A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são o que elas amam. Descartes afirmou: "Penso, logo existo".
Mas o menininho não sabia que sou homem de muitos amores. Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães para passear. E como eles gostam! Eles têm fome de ver. Encantam-se com tudo. Para eles o mundo é assombroso. Tenho dó dos que caminham para fazer exercício, cabeça baixa, olhando para o chão, com cara de sofrimento, sem ver as árvores e os pássaros. Caminham na companhia de suas velhas idéias... Gosto também de banho de cachoeira, de vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, de viola caipira, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorros, de pintura de Vermeer ( o pintor do filme Moça com Brinco de Pérola ), de Monet, de Dali, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de jardins, da comida mineira, de conversar à volta da lareira, de namorar (para isso não há idade), de crianças, (Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas a melhor coisa do mundo são as crianças...", Fernando Pessoa), de plantar árvores, de canto de sabiá, de balanço, de ver os filhos rindo, de escrever...
Escrever é minha grande alegria! Já me sugeriram escrever um romance. Não escreverei. Romance é coisa complicada, história com principio, meio e fim. Não tenho competência, não tenho paciência, não tenho tempo. Já tenho 71 anos. É preciso escrever curto porque a arte é longa e a vida é breve...
Sou um esteta. Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto e não para pensarmos nele. Nos pemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que criara: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo.
Ele escreveu o texto que segue na revista Bons Fluidos em 2004.
"Os ipês-amarelos
O que você ama define quem você é.
Acho curriculum vitae uma coisa boba. Sei que os burocratas sem eles se sentiriam perdidos. Por amor aos burocratas e curiosos fiz uma concessão: coloquei o meu na minha homepage. Mas lhe dei um nome novo. Curriculum, em latim, quer dizer pista de corrida. Um Curriculum vitae é, assim, uma enumeração dos lugares por onde se passou, na correria da vida. As coisas que eles registram não existem mais. O que é passado está morto. Assim, na. Unha homepage, ao invés de Curriculum vitae eu escrevi Curriculum mortis, porque eu não sou o meu passado. Eu sou o meu agora. De um pianista que vai iniciar o seu concerto não se espera que ele diga os nomes dos professores com quem estudou e os prêmios que ganhou. Dele só se espera uma coisa: que se assente ao piano e toque. Existirá tédio maior que aquelas apresentações de oradores em que o apresentador vai enumerando cursos, livros e honrarias? Ninguém presta atenção, ninguém quer saber. Como eu estou em vias de iniciar uma nova série de concertos literários nas páginas desta revista (Bons Fluidos), vou me apresentar dizendo o que sou hoje.
Ao final de uma entrevista, o entrevistador me fez uma última pergunta: "Como é que o senhor se definiria?". Fui pego de surpresa. A resposta teria de ser curta. Lembrei-me da frase que o poeta Robert Frost escolheu para seu epitáfio: "Ele teve um caso de amor com a vida... ". Encontrei minha definição em mim mesmo. Respondi: "Eu tenho um caso de amor com a vida... "
Uma professora me contou esta coisa deliciosa. Um inspetor visitava uma escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um menininho respondeu: "O Rubem Alves é um homem que gosta de ipês-amarelos..." A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são o que elas amam. Descartes afirmou: "Penso, logo existo".
Mas o menininho não sabia que sou homem de muitos amores. Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães para passear. E como eles gostam! Eles têm fome de ver. Encantam-se com tudo. Para eles o mundo é assombroso. Tenho dó dos que caminham para fazer exercício, cabeça baixa, olhando para o chão, com cara de sofrimento, sem ver as árvores e os pássaros. Caminham na companhia de suas velhas idéias... Gosto também de banho de cachoeira, de vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, de viola caipira, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorros, de pintura de Vermeer ( o pintor do filme Moça com Brinco de Pérola ), de Monet, de Dali, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de jardins, da comida mineira, de conversar à volta da lareira, de namorar (para isso não há idade), de crianças, (Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas a melhor coisa do mundo são as crianças...", Fernando Pessoa), de plantar árvores, de canto de sabiá, de balanço, de ver os filhos rindo, de escrever...
Escrever é minha grande alegria! Já me sugeriram escrever um romance. Não escreverei. Romance é coisa complicada, história com principio, meio e fim. Não tenho competência, não tenho paciência, não tenho tempo. Já tenho 71 anos. É preciso escrever curto porque a arte é longa e a vida é breve...
Sou um esteta. Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto e não para pensarmos nele. Nos pemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que criara: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo.
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